quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O próximo réu

Originalmente postado no Facebook em 19 de outubro de 2013.


Recentemente ouvi a expressão “moedores de gente” como referência às grandes cidades atuais. Já nem me lembro, onde e quando, mas acredito ter sido em algum link que alguém postou no Facebook. Nada mais verdadeiro.

A vida nas principais metrópoles brasileiras, cada vez mais se assemelha a uma gaiola que vai enchendo de pequenos animais até que uns começam a destroçar outros em busca de espaço, comida, ar,água e tudo o que é básico para sobreviver.

Viver em uma metrópole como São Paulo, Rio, Recife ou Salvador( sim, somos uma metrópole, ouça menos axé music!) é ser moído diariamente dentro de uma gaiola repleta de animais sedentos e famintos.
Gaiola moedora essa, que muitas vezes age apenas em segundos. Afinal, existe mais gente na fila para ser triturado.

Em segundos, um jovem estudante que ia para o primeiro dia de aula na faculdade, em Abril no Rio de Janeiro, virou réu em um processo criminal ao brigar com o motorista de um ônibus, e assim causar sua queda e morte de 7 passageiros.

Em segundos, um motorista de ônibus, no começo deste ano, em mais um dia de trabalho aqui na RMS, atropelou um médico mandando-o para o hospital com múltiplas fraturas. O motorista virou réu num processo criminal.

Em segundos, uma médica, em Salvador, atropelou, causando a morte de 2 estudantes em uma moto, após discussão, semana passada. A médica que até trabalho voluntário fazia, vai virar ré num processo criminal.

A lâmina mais eficiente do moedor, chama-se trânsito.

Em segundos, o estudante brigou com o motorista, o motorista atropelou o médico, a médica atropelou os estudantes. Como se fossem ratos, gatos e passarinhos correndo uns atrás dos outros dentro da gaiola.

E não apenas eles estão na gaiola. Todos nós estamos.

Mas na semana que passou, o que mais se viu, foram animais da gaiola olhando a situação como se estivessem fora dela, clamando brados morais, fazendo o jogo de nossa medíocre imprensa pedindo vingança crua, julgando a situação como se não tivessem nada a ver com isso. Mas tem, e muito. Todos os dias, vemos misturadas na paisagem, atitudes irrefletidas tomadas em segundos, que por pouco não terminam em tragédias como as anteriormente citadas.

Discussões, fechadas, vias de fato, ameaças, perseguições, saques de armas, sangue nos olhos. Na maioria das vezes, graças aos deuses do “mais sorte que juízo”, acabam sem maiores consequências. Mas quando os deuses (ou seria diabos?) do processo criminal conseguem uma brecha, não tem jeito. A tragédia se consuma.

E mais uma aconteceu. Infelizmente, vejo poucos refletindo sobre tudo isso. Ao invés, vejo gritos e urros. Apenas estão animalizando-se ainda mais. Ficando ainda mais perto de se tornar a próxima vítima. Ou o próximo réu.

E pra isso, basta alguns segundos. Talvez menos do que o tempo que você levou para torcer o nariz, enquanto pensava “eu jamais faria isso”, ao ler essa postagem. Pois bem, a lâmina segue girando...

p.s. antes que alguém pergunte, sim, também estou na gaiola e posso ser o próximo réu. Tenho consciência disso e tento me prevenir. 

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

M de mais do que o mesmo

Não. Este não é mais um texto dentre tantos internet afora, para explicar o porque que a MTV Brasil acabou. Até porque, no fim das contas, as explicações são o que menos interessa.

O que me motivou a tocar no nome da emissora musical recém findada, foram as lembranças que o início de sua transmissão aqui em Salvador, me trouxeram à memória nestes dias. Pois, nos anos 90, a música baiana carnavalizada, vulgo axé music, invadiu o Brasil e dividiu com o pagode romântico e o sertanejo, o topo das paradas musicais.

Em Salvador então, era praticamente impossível ouvir algo diferente. Quando algum bar, carro ou casa de vizinho, tocava algo que não fosse música baiana, logo chamava atenção. Lembro que a maioria esmagadora das rádios FMs se dedicavam ao gênero, sendo que as que não tocavam Axé Music, eram justo a menos populares.Quando soube que o sinal da MTV  chegaria, via TV aberta, em solo baiano lá pelos idos de 1995, fiquei animado com meus 15 anos de idade e de vontade de ver/ouvir coisas diferentes do que o status quo vigente mandava. Não era só o caso de ouvir e ver clipes de rock, rap e pop nacional e internacional, mas também de ver a linguagem e roupagem em que aquilo tudo viria embalado.

E assim se fez, a MTV trouxe um alento para jovens fãs pop/rock da cidade. Além dos clipes, podíamos comentar entrevistas, lançamentos de discos, e toda e qualquer pataquada da cultura pop com mais embasamento. E bandas como Raimundos, Planet Hemp, O Rappa e Chico Science deixaram de ser nomes desconhecidos nestas terras. Acompanhar a programação da emissora, para quem morava na velha Soterópolis, significava sair da mesmice em que minha geração estava se enfiando, numa época em que internet e canais via cabo, ainda eram incipientes. E depois, quando se viu bandas locais como  Penélope e The Dead Billies, chegarem a tela mtviana antes de serem conhecidos pelo público médio local, ficava claro o que era o apartheid musical criado pela nossa indústria do entretenimento micareteiro. Mas isso é uma outra história, para uma outra ocasião, para um outro blog...

Afinal, ao andar por entre becos e coletivos, ninguém foge ao cheiro sujo da lama de qualquer Manguetown que exista por aí.